Os jornais e emissoras destacaram a declaração do presidente da República sobre Gleisi Hoffmann durante a cerimônia de assinatura do projeto. Lula, em meio às suas frases truncadas, afirmou:
“O que a gente quer é facilitar que vocês tenham acesso ao crédito. Acho muito importante trazer aqui o presidente da Câmara e do Senado, porque uma coisa que eu quero mudar, estabelecer a relação com vocês, por isso eu coloquei essa mulher bonita para ser ministra das Relações Institucionais, é que eu não quero mais ter distância de vocês.”
A fala surpreendeu especialmente jornalistas alinhadas ao governo, que se mostraram perplexas e indignadas com o fato de Lula ter destacado um suposto atributo físico de Gleisi Hoffmann ao mencionar sua função política no governo.
A reação foi tão intensa que acabou ofuscando outro comentário do presidente, feito logo depois, ao elogiar o deputado José Guimarães. Lula referiu-se a ele como “cabeçudão do Ceará”, algo que, vindo de um nordestino, não lhe dá salvo-conduto para reproduzir estereótipos ou preconceitos regionais.
Mas voltemos a Gleisi Hoffmann. Reduzir uma mulher ao seu gênero, sugerindo que a suposta beleza da ministra seria uma de suas qualidades para interagir com parlamentares, é uma postura machista, sem dúvida alguma — e o machismo, como se sabe, carrega consigo a misoginia, independentemente das intenções declaradas.
O que muitos não perceberam, contudo, é que Lula, ao fazer esse comentário, buscava responder ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que dias antes havia afirmado que as mulheres petistas são “feias” e “incomíveis”. Assim, na tentativa de rebater a ofensa, o atual presidente acabou reafirmando a mesma visão ultrapassada: ao contrário do que disse Bolsonaro, as mulheres do partido seriam “bonitas” e “comíveis”.
Não se trata de defender Lula, mas de reconhecer que ele e Bolsonaro fazem parte do mesmo contexto social e cultural, um universo masculino que atravessa gerações e ideologias. No fundo, o subtexto da fala do presidente carrega a mesma lógica antiquada: quem disse que homens de esquerda não podem exibir suas mulheres como troféus?
Aqui entra a contradição da indignação de certas jornalistas progressistas. A revolta é compreensível, mas o espanto diante da postura de Lula é curioso. Afinal, estão surpresas com o quê? Com o fato de que o presidente não é tão progressista quanto acreditavam? Ou com a constatação de que ele não é exatamente o oposto de Bolsonaro, como tentaram fazer parecer? O choque, nesse caso, soa desnecessário diante de um histórico repleto de episódios semelhantes.
Em 2017, gravações da Operação Lava Jato revelaram um diálogo entre Lula e o ex-ministro Paulo Vannucchi, no qual o ex-presidente referiu-se às feministas do PT como “mulheres do grelo duro”, ao incentivá-las a atacar um procurador que o investigava, acusado de violência doméstica.
No mesmo ano, outro áudio veio a público: em conversa com Dilma Rousseff, Lula mencionou que quando cinco agentes da Polícia Federal chegaram à casa de Clara Ant, presidente do Instituto Lula, ela estava sozinha e se assustou, achando que poderia ser “um presente de Deus”. A então presidente Dilma riu da piada de cunho machista.
Menos surpresa com a realidade, colegas. Os progressistas que vocês inventaram só existem em suas narrativas. E, já que estamos aqui, vale lembrar que indignação seletiva não costuma ser eficaz — pelo contrário, pode acabar fortalecendo os adversários. A própria Gleisi Hoffmann, fiel ao seu líder, tratou de minimizar o episódio: “Não me intimidam nem me acuam. Oportunistas tentando desmerecer o presidente Lula. Gestos são mais importantes que palavras.” No Brasil, seja por costumes ou ideologia, as mulheres ainda têm um longo caminho pela frente para deixarem de ser tratadas como um gênero secundário.
Veja o momento da fala no vídeo abaixo: